quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Encontros

"Quero ser assim". Rezei e foi tudo o que consegui fazer antes da lágrima cair e ser interrompida pelo meu dedo indicador. A bondade nos espanta nos dias de hoje, mas sei que ela não é pouca, apenas é silenciosa como a madrugada que abriga minh'alma na melodia da mansidão.

Ele usava terno. Era manhã. As pessoas estavam apressadas demais para notar o sofrimento vindo da fome, do mau trato...Nós estamos sempre apressados para os olhares que nos olham pedindo socorro: ignoramos as crianças, os velhos e os animais desprotegidos. Tentamos disfarçar nossa parcela de culpa, fingindo não perceber que há um gosto de fel querendo se acomodar em nossos corações. Nos nossos...Não no dele... O moço engravatado curvou seu olhar para aquele cão. O cão trêmulo, de pêlos molhados e olhar triste que revelava que alguém o espantara com um balde d'água fria naquele dia invernoso; suas costelas eram tão salientes quanto sua tristeza, certamente estava mal cheiroso...O mundo estava correndo, nem notou sua existência.

A humanidade é má. Não. A humanidade é surpreendente!

Aquele homem...Lembro-me nitidamente de cada gesto tão humanamente humano saídos dele. Colocou a pasta, que trazia na mão esquerda, no chão. Tirou o paletó. Ajoelhou-se. Acomodou o cão em seu colo e deu-lhe um abraço. O cão parecia não acreditar no que estava acontecendo... Uma esperança de vida....Mesmo fraco, retribuiu o carinho com seu abanar de rabo.

No final um terno sujo, dois seres vivos felizes em se conhecerem, a promessa da amizade, da comida, do banho. "Vamos comigo, amigão" disse o homem que pouco se importou com as pessoas desacostumadas a observar a beleza das mais diversas manifestações de vida que habitam nosso planeta. Pessoas que caminham sob a miséria achando normal ignorar o pedido de socorro de um cachorro, e, um absurdo um humano abraçar um animal molhado e mal cheiroso. Mas eu sei...Os novos amigos, eram, na verdade, dois anjos nos ensinando a brincar de ternura aqui na terra.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A arte e o tempo

Me sinto tão pequena quando a insegurança faz moradia nos olhos cegados pelo canhão da luz que ilumina e destaca o tremor de minhas mãos... É o medo de não conseguir? Ou será uma responsabilidade de um mero aprendiz implorando o acerto para a redenção do aplauso?
Não sei...O que sei, de fato, é que não quero a vaidade que me faz menor, menos gente...Olhar para meu colega e me achar superior, não...Quero chorar com a sua voz, como o amigo que se dispõe a entender as amarguras que a vida deposita no coração despreparado que, grita de dor no canto contido ou pra fora do cantador...
Não quero a vaidade que eleva meu olhar ao futuro e faz-me esquecer do amigo generoso que me permitiu adentrar seu território de afetos no presente... Quero a doçura do riso, o abraço na cochia, a alegria da companhia, a piada do ensaio, quero pôr meus problemas numa partitura, e com candura , quero fazer brotar canção da minha garganta.Eu quero a parceria do amor que um dia disseram-me não existir...
Não quero ser perfeita... Quero desafiar-me a merecer estar ao lado de quem me coloca na corda bamba para que eu perca o medo de cair.
Não quero ser poetisa...Quero a poesia do convívio... Quero pisar novamente no solo sagrado, espaço que tantas vezes fica pequeno, apertadinho de tanto amor- amigo, de tanto querer bem...
Quero aprender a ser cada vez mais gente com os artistas da arte de se saber humano, quero ser pessoa generosa, quero incentivar quem vem, quero muitas coisas, e se possível,quero ir mais além.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Minha profissão

O que torna a profissão artística deliciosa é o fato de que podemos nos divertir enquanto trabalhamos e ainda que não nos encontremos num dia bom, ainda que falhemos, ainda assim, sempre temos uma platéia para nos aplaudir. O que torna a profissão artística um saco é o fato de que você sempre tem de dar explicações às pessoas que escolheram uma profissão mais normal e estabilizada, e consideram a sua uma espécie de não profissão. Eu poderia passar dias discorrendo sobre a delícia de se ser artista, mas não vou, farei justamente o contrário:

Uma historinha:

Eu estava assombrada até bem pouco tempo, pela tal da síndrome do pânico, isso quer dizer que, durante alguns meses, visitei os mais diversos médicos e os mais diversos hospitais (não se preocupem, estou curada!), vou reproduzir aqui um dos diálogos que tive com um dos doutores que tratam de corações:

- Oi, tudo bem?


(Nunca entendi o por quê dos médicos nos perguntarem se estamos bem, se fomos pedir-lhes auxílio é porque não, não estamos bem...)

- Não muito....

- O que você tem?

- Aperto no coração, falta de ar e dores no braço...

- Ah, então você está infartando?

- Estou????

Ele se levanta com o estetoscópio preparado e constata:

- Você não tem nada, nada, nada...Sabe o que é isso?

- Não...

- Você é uma pessoa nervosa, ansiosa ou estressada...Estou certo?

-Não sei direito...Talvez...

- Qual sua idade?

- 24...

- Qual a sua profissão?

- Sou cantora

- Legal...Mas qual é a sua profissão?

- Eu canto...

- Mas você só faz isso?

- É...

- Então, menina....Cantor não trabalha, não tem estresse, cantor é feliz, fica cantando...

- Eu me formei em publicidade...

- Ahhhh então você tem uma profissão!

- Eu nunca trabalhei na área...

- Por que?

- Porque eu sou cantora....

- Mas você não poderia ser cantora e publicitária?

- Não...

- Por que?

- Porque eu só sei cantar...

- Mas você é publicitária não é?

- Só no diploma, não entendo nada...não sei fazer desenhinhos no computador...

- Mas publicidade não é apenas criação né? é uma profissão legal!

- Eu acho legal ser cantora...

- Eu também acho, mas é que não tem estabilidade financeira, tem?

- Doutor?

- Diga!

- O Senhor quer me deixar mais depressiva do que eu já estou?

- Não, me desculpe...Tenho boas notícias para você: pode ir para sua casa! E olha, boa sorte na sua carreira, viu?

- Obrigada, doutor.

Fiquei feliz em saber que eu era saudável e intrigada por saber que eu não tinha uma profissão. Ser artista é romântico, mas é também um saco.

Desce o pano.